SÃO PAULO – Para atender a uma demanda crescente, a fabricante de estruturas metálicas Armco Staco investiu R$ 90 milhões para ampliar a sua produção. Com um empréstimo bancário, finalizou sua expansão no fim de 2014. No entanto, de lá para cá, a economia entrou em recessão, e as receitas caíram mais de 50%. Como as dívidas continuaram no mesmo patamar, a saída foi entrar, em junho, com um pedido de recuperação judicial. A empresa é uma das 1.479 que recorreram, este ano, a esse instrumento para lidar com os efeitos da crise econômica. Mas essa é uma solução que tem tido pouca eficácia no Brasil: menos de um quarto das companhias se mantém na ativa depois de um processo como esse, que se arrasta, em média, por quase cinco anos.
— Os investimentos foram feitos esperando um crescimento que não veio — conta Victor Guimarães, diretor-geral da Armco Staco.
O número de pedidos de recuperação judicial é recorde desde a criação da Lei de Falências, em 2005, e representa um crescimento acumulado de 62% no ano, até setembro. De acordo com estimativas de consultores e advogados, este ano deve terminar com, ao menos, 1.800 empresas nessa situação, em especial as pequenas e médias, mais sensíveis a movimentos bruscos na atividade econômica e com menor acesso a consultorias de planejamento financeiro.
E, embora essa corrida por socorro possa se arrefecer no ano que vem, com uma eventual retomada da atividade econômica, a avaliação de consultores especializados em processos de reestruturação é que o número de pedidos de recuperação judicial continuará elevado. Isso porque boa parte das empresas que estão conseguindo sobreviver à crise chegará enfraquecida ao fim desse ciclo recessivo.
— Esse número vai continuar alto pelos próximos 18 meses. À medida que a crise se instala, vai se espalhando pela economia. As empresas que estão sobrevivendo não necessariamente estão sobrevivendo de forma saudável — afirma Renato Carvalho Franco, presidente da consultoria TMA.
DIFICULDADE PARA OBTER CRÉDITO
O enfraquecimento da empresa em um processo de recuperação judicial, em que o acesso a crédito e os prazos com fornecedores praticamente inexistem, é uma das razões para o baixo índice de recuperação dessas companhias, ou seja, o número das que continuam na ativa após a conclusão do processo. De acordo com a Serasa Experian, apenas 23% das empresas sobrevivem à recuperação judicial. A maior parte precisa encarar a falência. O levantamento leva em conta 718 processos de recuperação que foram iniciados entre 2005 e 2014 e já se encerraram.
O diagnóstico de especialistas do setor é que os empresários demoram muito para fazer uma reestruturação financeira e administrativa e, com isso, vão apenas postergando o problema e se endividando ainda mais. No fim, para não fechar, o que resta é o pedido de recuperação judicial, que garante um prazo de carência, enquanto o plano de reestruturação é feito e submetido a credores. Mas também pode representar apenas o adiamento do fim definitivo das operações.
— As empresas deixam para a última hora para tentar uma reestruturação. Quando chegam a esse ponto, já estão em uma fase quase falimentar. Por isso é tão baixa a taxa de recuperação e tão elevado o prazo médio para sair da situação de recuperação judicial — explica Luiz Rabi, economista da Serasa, lembrando que apenas 218 empresas voltaram à ativa entre as 718 que entraram em processo de recuperação nesse período de dez anos, findo em 2014.
Luis Alberto Paiva, presidente da Corporate Consulting, lembra que a dificuldade de acesso ao crédito por parte dessas empresas faz com que esses processos tenham de ser bem planejados, a fim de manter as operações em funcionamento.
— Essas companhias passam por uma restrição grande. O nível de crédito é praticamente nulo — ressalta Paiva.
MUDANÇAS NA LEI DE FALÊNCIAS
Jonathan Camilo Saragossa, especialista na área do escritório Nicola, Saragossa e Campos Advogados, concorda que o principal entrave para ter sucesso em uma recuperação judicial é o acesso ao crédito.
— A empresa fica com algumas restrições e não vai ter um crédito novo. Então precisa ser um processo muito bem planejado, para que a empresa consiga ter um fluxo de recursos — explica Saragossa.
Os chamados bancos de primeira linha, como as grandes instituições de varejo, costumam cortar todas as linhas de crédito a uma empresa em recuperação judicial. Aquelas que conseguem mostrar um plano factível, que sinalize uma melhora na relação entre custos de produção e receita, conseguem novos empréstimos com bancos menores, mas a taxas mais elevadas e com base em algumas garantias, como o desconto de duplicatas.
E se essas dificuldades já existem em grandes operações — casos da operadora de telefonia Oi e das construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato —, elas afetam de forma ainda mais crítica empresas de menor porte, que nem sempre contam com uma administração financeira especializada. Por sinal, condições melhores de acesso a empréstimo e sucessão de passivos são pontos em relação aos quais se esperam mudanças na Lei de Falências. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já declarou sua intenção de revisar essa legislação.
O advogado Alexandre Wider, especialista em recuperação judicial do escritório Siqueira Castro Advogados, explica que uma revisão da lei deveria dar maior segurança jurídica aos chamados “credores parceiros”, que são instituições financeiras ou fornecedores que mantêm as linhas para a empresa em recuperação judicial. Se não cortarem o crédito, eles têm preferência no recebimento dos valores da dívida.
MAIS SEGURANÇA NA QUESTÃO DAS DÍVIDAS
Outro ponto é a sucessão de dívidas, incluindo trabalhistas, caso a empresa em recuperação seja parcialmente vendida. O comprador, normalmente, só quer o ativo.
— Conseguindo minimizar-se esse risco, tem-se uma segurança maior — explica Wider, acrescentando que essa alteração dará melhores condições às empresas em recuperação judicial para buscar os recursos necessários para o seu equilíbrio financeiro.
Para entrar na estatística das empresas que conseguem se recuperar, a Armco intensificou a cobrança de seus clientes para ter caixa e, assim, passar pela fase mais drástica da recuperação judicial. A venda de ativos também não é descartada, o que poderia antecipar o pagamento aos credores, embora seu plano de recuperação não dependa desses recursos.
— Quando a gente entra com o pedido de recuperação judicial, o momento é crítico. O crédito cessa, e os fornecedores passam a querer apenas pagamento à vista. É muito difícil. Passados os primeiros meses e com um resultado operacional positivo, algumas linhas começam a voltar — conta Guimarães, que espera ver o plano aprovado pelos credores até o início do ano que vem.
Uma empresa demora, em média, 4,7 anos para sair da recuperação judicial, segundo dados do levantamento feito pela Serasa. Parte desse tempo se deve à tramitação do processo na Justiça. Após o juiz aceitar o pedido de recuperação, os prazos para apresentação do plano de recuperação, convocação da assembleia de credores e de suspensão das cobranças chega a durar 180 dias.
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Fonte: O Globo 25/10/2016
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